Somos as estórias que contamos? As fantasias que sonhamos? As experiências reais que nos atravessaram? Ou apenas os restos de tudo isso?
Será possível existirmos, no tempo e no espaço, limitados e limitantes, em todas e em cada uma de nossas múltiplas facetas? Se incompletos e faltantes pela própria condição humana existencial, talvez muito pouco, entre o tudo e o nada que buscamos ou acreditamos ser, faça alguma diferença, para si e para o outro.
Era para ser um texto sobre amores passados. Aqueles vividos no corpo e na alma, que deixaram marcas, por vezes também saudades. Pois que aos (inúmeros) viventes criados na autocrática e exclusiva esfera da minha mente, pouco a se escrever, pois nada a se recordar no real do corpo e na sutileza da alma – locais onde tudo acontece, ou não. Na mente, encontro, por vezes, os resquícios de devaneios solitários, eficazes cumpridores de uma função simbólica estruturadora. Na alma e no corpo, vida.
Era para ser um texto sobre afetos. Amor, paixão, ternura, apego, afeição, amizade, ódio e indiferença. Dentre tantos outros que igualmente se intercalam, e por vezes se calam, nas sucessivas relações que nos constituem afetiva, erótica e sexualmente. Em meu caso, por enquanto – pois nunca se sabe o que se guarda na caixa de pandora – relações românticas heterossexuais. Na verdade, muitas das vezes pouco românticas, e mais surreais, oportunistas e, porque faz parte da minha natureza, divertidas. Sempre inteligentes, capturaram minha admiração. Os espirituosos, partilharam de minha cumplicidade. Aos parceiros de uma noite, sexo. Os sonhadores ganharam minha curiosidade, sempre. Aos excessivamente ocupados, rendi minha piedade. Aos aventureiros, parceria na terra, na água e no ar. Amizade, a todos, indistintamente. Intimidade? Ahhhh … reserva para a safra especial.
Era para ser um texto sobre transgressão, pois, em última análise, entregar-se requer muita coragem para ultrapassar algumas fronteiras estabelecidas, inúmeras regras estruturadas e, principalmente, todas as idealizações preconcebidas. Relacionar-se com um “duplo eu” nunca foi a escolha de meu desejo. Agradeço-o por isso. Alargar horizontes, desconstruir certezas e se reconhecer diferente, após cada encontro, para mim, é a maior riqueza que pode existir em uma relação.
Era para ser um texto sobre prazer e desejo. Sobre o que acende e ascende desde o primeiro olhar. Por vezes, segundo, terceiro ou centésimo olhar, pois que o desejo rompe também, estranha e inadvertidamente, com a convivência diária. Do olhar ao toque, à manifesta declaração, às fantasias confessadas (ou não) e ao real e delicioso do corpo – tudo absolutamente conhecido e narrado em prosa e verso, em todas as línguas; mas um singular e instigante idioma a ser descoberto em cada uma das experiências.
Era para ser, mas não foi.
Era para ser, mas não foram.
Não?!
De fato, sigo. Construindo-me nas estórias que conto; nas fantasias que sonho; nas experiências que me atravessam; e também nos restos de tudo o quê não foi e de todos os quê não foram.
Incompleta e desejante.