Gosto da percepção de que o tato é o mais amplo, complexo e exposto sentido dos seres viventes. Quiçá o único absolutamente em desamparo, pois entregue, sem proteções, à alteridade e ao estranhamento. Integralmente envolto no nada, e lançado no tudo.
Visão, audição, paladar, olfato e tato. Cinco os órgãos de sentido a experimentar o mundo. A captar e esquadrinhar os incontáveis estímulos externos, conduzindo-os às nossas camadas internas. Exímios em acordar pregressos e camuflados afetos; e também em provocar novos e desconcertantes gozos.
O tato a margear, sempre, cada uma de nossas experiências sensoriais. A limitar o corpo, o espaço interno e o externo. A permear os sentimentos, porosamente. A tangenciar o êxtase e o colapso. A interagir incessantemente.
Não há com cerrar o tato. Seremos sempre invadidos. Estaremos sempre à mercê do mundo.
Degustamos, com a pele, tudo o que nos acaricia – ou violenta. Ouvimos, arrepiados, cada um dos toques que se anunciam, que se desvelam -orquestrada ou desafinadamente. Sentimos os aromas, diluídos em cada um de nossos poros. Enxergamos as sutilezas. Buscamos os horizontes, bem como recuamos a nossos esconderijos. Se em cores ou em P&B? Em cores e em P&B; às vezes, inclusive, concomitantes – a pele não julga, assente.
Passado, presente, futuro? Pouco importa. Cada encontro, uma possibilidade, uma oportunidade. Descobertas. Reencontros. Lembranças e atualizações. Travessias diárias. Jornadas de uma(s) vida(s).
Hoje nos reencontramos. Recostamo-nos. Reconhecemo-nos.
Ele veio a mim, manso, fresco e cinza. Contornou minha pele. Atravessou minhas lembranças. Salgou e acariciou um corpo cansado, em suas raízes, estruturalmente. Sussurrou que me acolhia, inteira, como sempre o fez; e sempre o fará – eterno, por milênios. Nesse momento, pele e tato eram entrega. Simples e maravilhosamente o invólucro singular de um imenso oceano, interno, a transbordar. O dentro e o fora em absoluto espelhamento, intimidade e liberdade. Sintonia, sem chance para defesas.
Crédito da imagem: Adriana Agnese
“Os textos representam a visão das respectivas autoras e não expressam a opinião do Sabático Literário.“