Comecei a ler livros de literatura na adolescência. Iniciei com a Ilíada de Homero, e a partir desse momento fiquei obcecada pelos livros de literatura clássica: Dostoiévski, Tolstoi, Gogol, Kafka, Sartre, Tomas Man, depois fui para a literatura latino-americana: Cortázar, Borges, García Márquez, Sábato e depois tive uma fase japonesa: Murakami e Yoshimoto Banana eram meus favoritos. E assim foram passando os anos, sempre levando um livro na minha bolsa, lendo na sala de espera dos consultórios médicos, nos pontos de ônibus, esperando uma entrevista de emprego, em metrôs, trens, aviões, aeroportos e na cama antes de dormir.
Passei quase vinte anos lendo sem perceber que a maioria desses autores eram homens e apenas de vez em quando uma autora surgia entre minhas leituras.
No avião, além de ler o romance de plantão, gosto muito de dar uma olhada na revista que disponibilizam na poltrona da frente, e sempre desfruto de uma atenção especial às primeiras páginas da revista Avianca, onde aparecem os escritores do mês com uma foto em preto e branco e uma minibiografia.
Foi assim que descobri Maitena Caiman, uma escritora espanhola que me chamou a atenção porque em sua minibiografia dizia que dava oficinas de redação. Isso me lembrou de um antigo sonho de escrever, que com a correria da vida adulta acabei arquivando e esquecendo em uma gaveta. Então peguei a agenda que sempre levo comigo, anotei o nome dela e continuei lendo a revista como já era minha rotina no avião.
À noite, quando cheguei ao hotel, procurei pela Maitena Caiman na internet, encontrei seu Instagram, me inscrevi em sua Newsletter e explorei todo o conteúdo que ela oferecia online: textos, poemas, workshops e círculos de escritores.
Descobri que por aqueles dias estavam lançando as inscrições para um desafio epistolar, que para quem lê meus textos regularmente, sabe que sou apaixonada por cartas e que esse desafio foi uma inspiração para outros textos que já publiquei aqui no Sabático.
Para quem não leu meus textos anteriores ou não se lembra, o desafio consistia em enviar três cartas a uma estranha. No terceiro dia, recebi o desafio pouco antes de entrar no avião para voar de Barranquilla a Bogotá e consistia em recomendar à destinatária das minhas cartas – que depois das duas primeiras cartas já não nos sentíamos como desconhecidas, mas sim um pouco íntimas – três escritoras do meu país.
Para minha surpresa, passei os noventa minutos do voo com a minha mente em branco, nenhuma autora do meu país que eu tivesse lido nos últimos meses, ou no último ano, me veio à cabeça. Depois de várias reflexões e chicotadas mentais durante o voo, finalmente desembarquei em Bogotá e corri até a livraria mais perto para procurar na seção de literatura colombiana escritoras que me chamaram a atenção ou que alguém me recomendou um dia, mas nunca me animei a ler.
Selecionei dois: Somos Luces Abismales de Carolina Sanín e La Perra (A Cachorra) de Pilar Quintana, ambas li em uma sentada. E foi assim que comecei a selecionar mais e mais livros escritos por mulheres e cada vez me identifiquei mais com eles, a tal ponto que hoje só há livros escritos por mulheres na minha mesinha de cabeceira; não quer dizer que eu tenha eliminado escritores homes da minha vida, de vez em quando um deles aparece na minha mesa de cabeceira, mas são as mulheres que ocupam a maior parte das minhas horas de leitura.
É claro que evoluímos muito se olharmos para a época de Jane Austen e as Irmãs Brontë, mas não é coincidência que a revista da Avianca que tenho agora na minha escrivaninha apresente na sua página dentre seis escritores participantes da edição número 76, só duas mulheres, e que o Google insista em traduzir a palavra “escritoras” como “escritores” enquanto faço a tradução deste texto do espanhol para o português.
É por isso que precisamos de mais espaços para nós mulheres escrevermos e nos lermos, e é por isso que a @criaelaineresende e eu criamos o Sabático Literário, onde quatro vezes por semana nos deleitamos lendo amigas e colegas, com diferentes crenças, culturas e estilos.
E você, quantos livros escritos por mulheres tem na sua biblioteca pessoal ou leu no último ano?
Crédito da Imagem: Daniela Echeverri Fierro
“Os textos representam a visão dos respectivos autores e não expressam a opinião do Sabático Literário. ”
Que baita reflexão, Daniela! Enquanto lia seu texto, puxei da memória e descobri que li muitos livros escritos por mulheres. Eu comecei a ler muito nova, mas não fui na direção dos clássicos. Acho que mais por isso do que por qualquer outra razão, as mulheres estão mais presentes nas minhas estantes.
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Amei.
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Daniela que primor de texto, minha querida. Essa constatação de que nossa biblioteca tende sempre a ser masculina é muito importante,porque nos leva a repensar o quanto nós, mulheres, temos alimentado esse
mercado essencialmente masculino. Obrigada pela primorosa reflexão. Obrigada e parabéns , querida.
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