Na terra dos gigantes

Acordei assustado. Um barulho estrondoso vindo de muito perto me despertou. A mulher chegou bem próximo a mim e era enorme. Tão grande que eu não consegui alcançar seus olhos para saber se ela era mesmo uma ameaça. Na dúvida, levantei-me de um sobressalto e mostrei que estava alerta. Eu também sabia ser ameaçador quando queria. Ela recuou e saiu.

Tentei retomar o sono mas não consegui. O sonho que me embalava era de um mundo em miniatura onde apenas eu era de tamanho normal. O susto deixou meu coração acelerado e eu sabia que demoraria para relaxar de novo. Tentei sair do quarto mas percebi que estava preso. No caminho até a porta, meus objetos espalhados pelo chão me trouxeram a lembrança dela. Onde estaria que não voltava nunca para me resgatar?

Voltei o olhar para dentro do quarto e ouvi meu nome. A mesma mulher que me acordou de sobressalto tinha, agora, uma voz familiar. Fui ao seu encontro e a deixei se aproximar. Ela falou coisas que eu não entendi, entoando uma voz infantilizada. Não entendo porque ela ainda me trata como criança. Eu já dei inúmeras demonstrações de que sou adulto mas não adianta. De qualquer jeito, ser adulto não quer dizer que não se precisa de carinho. Então aceitei o que ela tinha a me oferecer.

Ela abriu a porta e me liberou. Andei apressadamente para ver se conseguia acompanhá-la. O caminho era longo e se soubesse que teria que me esforçar tanto, teria poupado alguma energia. A possibilidade da liberdade me deixou excitado e um pouco desorientado, a ponto de me fazer atacar a menina que chegou vinda não sei de onde e que rapidamente chegou perto demais de mim. Eu tentei me desvencilhar mas ela foi muito rápida e me envolveu de tal forma que eu não consegui escapar. Com sua força descomunal, ela me suspendeu do chão, o que tolheu minha capacidade de reagir. Então, tentei manter a calma e aguardar até que voltasse a sentir o chão sob mim. Só então entendi que ela tentava me proteger daquela que me inspirava as emoções mais controversas e que, de repente, apareceu, ameaçadora, na minha frente. Os olhos de Amora eram enigmáticos demais para mim. Ao mesmo tempo em que via medo e hesitação neles, não conseguia confiar que ela nada faria contra mim. Então, mantinha-me sempre vigilante. Em um átimo em que percebi sua distração, corri e me afastei dela o máximo que pude.

Na sala, vi-me a poucos metros da liberdade. A porta aberta me surpreendeu e vi quando Charlie escorregou para o hall, sorrateiro, parecendo adivinhar minha intenção que parecia ser a mesma dele. Fui ao seu encontro e ficamos um pouco a sós, no hall, sem saber ao certo se éramos cúmplices ou, quem sabe, delatores um do outro. A porta do elevador abriu e vi que ele se acovardou e recuou.  Ele nunca admitiria covardia, eu sei. Com seu costumeiro ar de superioridade, queria fazer com que eu pensasse que esse cativeiro era melhor que a liberdade. Acho que já tinha se afeiçoado a aquele pessoal, tal qual como na Síndrome de Estocolmo. Eu não.

Deixei tudo para trás e entrei no elevador. O coração aos pulos me deixou com falta de ar e me engasguei com minha própria saliva. Antes que pensasse em acionar o botão do elevador, a porta se fechou e ele começou a se mover. Quando a porta se abriu novamente, vi o caminho livre e corri o mais rápido que pude, como se não tivesse nada a perder. Grandes mãos estranhas, porém, surgiram de repente e antes que eu pudesse fazer o que quer que fosse, fui laçado novamente.

Ele me levou para uma espécie de cabine que parecia ser o controle central daquela fortaleza. Na câmera, vi imagens internas do elevador e percebi que estavam vindo frustrar minha fuga. Mas antes que isso acontecesse, mordi com minha bocarra os dedos gigantes que me enlaçaram e o grito de dor ecoou por toda a cabine de comando. A altura da minha queda foi imensa mas meu corpo era forte e eu nada senti. Só a excitação galopante de quem faz coisas invencíveis. Antes que eu me afobasse portão afora, ela veio da rua e me salvou. Abraçou-me muito forte e senti  que chorava. Percebi seu olhar aflito achando que me perderia para sempre. Mas é claro que eu nunca iria embora sem ela. Eu iria achá-la onde quer que fosse. Ela trazia meu peitoral e minha guia e me ofereceu um petisco o qual abocanhei com sofreguidão. Mais calmos, ela me colocou no chão e senti que a queda machucou um pouco minhas patas. Encaminhamo-nos para casa e ainda tive tempo de olhar para a varanda e ver Charlie e Amora que me fitavam do alto. Amora latia insistentemente enquanto Charlie parecia chateado por não ter se arriscado e não ameaçou um miado sequer. Aposto que deviam estar pensando como esse Lulu da Pomerânia é destemido. Certamente, deviam estar dizendo um para o outro: “Esse Romeo sabe mesmo viver”.

3 comentários em “Na terra dos gigantes

  1. A exemplo de outras aventuras de pequenos gigantes, inclusive humanos, as mães sempre com seu cuidado e proteção vivem um terrível é gostoso dilema: Se solto demais ou prendo e protejo demais.
    Mal sabem elas que o problema está no “demais”.
    Pra vc Lidianne que, com certeza, vive o mesmo é eterno dilema, Feliz dia das Mães!!!🥰

    Curtido por 1 pessoa

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: