Assisti ao filme 100 medos, adaptação do romance de ficção italiano Per Lanciarsi Dalle Stelle, da autora Chiara Parenti. No filme, a protagonista de nome Sole sofre de uma doença que acomete muitas pessoas pelo mundo: ansiedade generalizada. Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) alertam que, somente no Brasil, cerca de 18,6 milhões de pessoas sofrem de ansiedade — o que coloca o país no topo do ranking mundial.
Enquanto via o filme, pensei em várias situações da minha própria vida. Passei a infância e adolescência testando limites sobre rodas: bicicleta, skate e patins. Meu sonho era ter uma moto, tatuagem, uma jaqueta de couro e ouvir Born to be wild. Entretanto, quando confrontada com um carro, perdi a batalha. Dominada por um medo infundado, travei e não consegui dirigir.
A sensação que a personagem Sole experimenta ao tentar trabalhar, encontrar pessoas, ou fazer uma faculdade, é demonstrada por meio de sua inquietação, mãos que se contorcem, um olhar que não sustenta o olhar do outro e a prostração na cama. É tão atordoante que a paralisa e impede sua vida de continuar. Não tem uma causa específica, e isso está claro desde o início.
O filme Depois a Louca Sou Eu, inspirado no livro da Tati Bernardi com o mesmo nome, traz à tona tema semelhante: a loucura causada pela ansiedade, por medos infundados e sem nenhuma lógica. Tati é loquaz e se abre inteira nesse livro. Suas desventuras são hilárias, e a gente se encontra de novo nesse lugar, de ser mulher e sentir a pressão de um jeito que só uma mulher conhece.
Para quem vive nas grandes cidades, ansiedade é um sentimento comum. Ora é o trânsito pesado, ora é a insegurança de andar nas ruas. E basta alguém olhar diferente para o coração palpitar e as mão começarem a suar. Poderia ser paixão? Poderia, mas normalmente é só o medo te estapeando por dentro. Quantas vezes uma mulher desce do ônibus antes de seu ponto, ou muda de calçada na rua? Não é fácil distinguir um cara que está apenas flertando de um assediador. Aos rapazes, melhor esperar para jogar seu charme quando a mulher também estiver buscando isso.
No filme 100 Medos, Sole quer andar de bicicleta e superar um dos seus medos de infância, mas não consegue. Se tem medo, melhor não correr o risco. O pensamento dela coincide com o de muitas pessoas, é difícil enfrentar aquilo que te gera ansiedade. O medo de dirigir, por exemplo, tem até nome, amaxofobia, e ataca cerca de 6% da população brasileira. Não consigo dissociar o trânsito do desenho do Pateta, enlouquecido atrás do volante. É como se todos os carros estivessem competindo para saber quem chega primeiro. Aonde? Ninguém sabe dos outros, quando mal se sabe de si.
Tanto no filme italiano quanto no brasileiro, há um ponto de inflexão. Tati Bernardi leva sua personagem para os remédios tarja preta para encarar seus medos. Sole encontra amigos e começa a testar seus limites. A mensagem do filme italiano é de esperança, com uma abordagem leve e romântica do problema. É possível viver e ir superando um obstáculo de cada vez com apoio e terapia. Sole tem uma “to do list” de medos a enfrentar. Conforme supera um item, passa ao próximo.
Lembrei da minha própria lista de lugares a ir quando, com mais de trinta anos de idade, fui para uma escola de direção para pessoas com fobia. Terapia, apoio e uma lista. Na escola, vi que não estava sozinha. Não foi tão rápido para mim quanto foi no filme, mas foi igualmente libertador. No filme brasileiro, a protagonista escreve, transborda suas questões para o papel. Como não gerar identificação?
A ansiedade rouba o momento presente para nos lançar num futuro em que tudo deu errado. Embora não consiga romantizar o problema, entendo a mensagem por traz dos filmes: para muitas coisas na vida a gente pode se permitir uma segunda chance. E, talvez, com um grupo de apoio e terapia, uma escrita que nos leve a outros lugares, seja possível superar um medo de cada vez.
Elaine querida, a gente desliza na tua escrita trazendo em nossas unhas minúsculas e grandes farpas. Umas doem ao tira-las, mas deixam lições. Me identifiquei muito com seu texto querida.. E isso que todo escritor deseja no seu íntimo: deixar no leitor farpas que doem, que as tir ou não.
Ou deixá-las a bel prazer, com o registro indelével das cicatrizes. Um beijo. Te admiro muito, você sabe. Parabéns. Sobre as farpas ainda, você mereemeteu um antigo poema que escrevi em momentos “farpudos”. Talvez um dia eu o publique. Obrigada também por isso. Um beijo, querida.
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Como é bom te ler, Elaine. Sua escrita acolhe, inclui, nomeia sentimentos que para muitos ainda não tem lugar de compreensão. Sua escrita traz luz, nos convida a dar as mãos, a compreender que não estamos sozinhas. Obrigada!
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Obrigada por essa fala tão acolhedora, Beth! Na escrita somos nós visceralmente expostas. É bom demais quando isso ressoa em outras pessoas ❤️
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