A miséria alimenta uma classe tão boa e tão distinta
Que ao ver a nossa fome
Logo se move
Começa a barganhar
Cai o preço da faxina
E por um prato de comida
Voltamos a trabalhar
Ensinaram-nos que o pouco pode virar nada
É pouco que devemos aceitar
No meio dessa disputa
Um prato no restaurante
Vale mais que a noite da babá
Mas essa gente tem valor
Está aqui para ajudar
Nos oferecem até um quartinho
Em troca de trabalho
Se por acaso quisermos ficar
Mas temos que ficar caladas, nem pensar em reclamar
A jornada é dia inteiro
Café, almoço, lanche e jantar
De pé antes do galo cantar
Deitar só depois da família descansar
Podemos sair a cada quinze dias para ver a família e festejar
É mesmo muita sorte ter um lugar pra morar
Viva meu sinhô, viva minha sinhá!
Já não há constrangimento
Em tamanho descaramento
Dessa gente que é melhor que outras gentes
E só quer nos humilhar
Porque só assim entendemos nosso lugar
Chamam eles de humanos
Eu não sei do que chamar
De posse da palavra-chicote
Nos chamam de preguiçosos, vagabundos
Logo nós, que erguemos o mundo
Dizem que não queremos nos esforçar
Gritam isso aos quatro cantos
Do cume, de seus tronos
Que herdaram sem lutar
De barriga cheia e com seus filhos na escola
Jogam comida fora
Vão ao médico a toda hora
Tudo particular
Para nós, só o que resta
Até com o SUS querem acabar
Hoje fiz uma faxina
E ganhei oitenta
A conta de luz já vou pagar
O meu preço é cento e trinta
Mas a patroa não tinha para dar
Meu filho descarregou um caminhão
Serviço de máquina, de humano não
Carregou mais peso que qualquer corpo esmirrado pode suportar
Trouxe para casa comida e pão
Junto com estes, muitas bolhas nas mãos
Agradecemos, ainda temos o que comer Ainda temos cama para deitar
Mas antes do corpo descansar,
Ajoelhar e rezar
Pedir por saúde
E para a fé nos sustentar
Já que nem doentes podemos ficar
Até com nosso Deus eles querem acabar
Uma reza para numa fresta
A esperança enxergar
Rezar por minha gente
Abrir os olhos, respirar
Sair de casa novamente
Pela manhã escura
Para esta guerra enfrentar
E voltar vencido
Na dor de um corpo moído
Na desesperança que faz a alma sangrar
Uma poesia que mostra o lado do mais fraco que é a força desse povo brasileiro
CurtirCurtir
Lindo, e uma verdade duríssima! Hoje enquanto caminhava pela manhã conversei com um senhor que dizia querer dinheiro para ter um jardim e ajudar a quem mais precisa. Ele, um trabalhador, cansado nas primeiras horas do dia. Não é fácil trabalhar pra comer, pra morar, pra viver.
CurtirCurtir