A menina no terraço

De longe ela apreciava parte de sua pequena cidade. Via os telhados compridos e os muros descascados. As pessoas caminhando, ora apressadas, ora tranquilas. Os carros, ônibus, bicicletas e até mesmo carroças. Lina morava em uma cidade pequena, em que ainda persistia a existência destes veículos.

E o céu azul e um sol escaldante, típico do verão carioca.

Pelo horizonte iluminado, Lina imaginava seu futuro, repleto de realizações, projetos e conquistas. Ela sonhava em ser jornalista, mas às vezes pensava em ser bailarina, ou professora, ou até, quem sabe, uma cientista.

Lina tinha apenas 10 anos, e uma cabeça cheia de planos e sonhos. Ela queria sair daquela cidade pequena e ganhar o mundo, descobrir novas culturas e conhecer novas pessoas. Era novinha, mas já estava cansada daquele pensamento pequeno, de cidade do interior, sem perspectiva. Não conseguia ver a vida apenas como estudar, casar, ter filhos e cuidar da casa.

Lina queria mais, queria desbravar o mundo.

Dali, do alto daquele terraço, ela viajava com a imaginação. A mente a levava para o Rio de Janeiro, capital da cidade em que morava, e onde poderia fazer faculdade e ter uma carreira. Mas também navegava em rios de Minas Gerais, nadava em praias do Nordeste, ou caminhava em trilhas do Centro Oeste brasileiro.

Lina acreditava, em sua pouca idade, que tudo poderia ser possível, bastava querer. Até mesmo virar uma atleta olímpica!

Aquele terraço era seu local de refúgio onde, em segredo, ela podia ser tudo o que quisesse, livre, feliz…

Para subir até lá, Lina passava por uma escada estreita e perigosa, depois de atravessar o varal de roupas, de teto, que sua mãe impecavelmente deixava estendidas quase todos os dias. Esse ritual era feito de forma silenciosa, e nas horas em que ela estava distraída, senão diria: para com isso menina, essa escada é perigosa. Vai cair lá de cima!

Mas para Lina, apesar do perigo, o risco valia a pena.

Aquele terraço não era só um refúgio, era o único lugar em que podia colocar o seu coração.

Lina vivia em uma casa pesada e triste. Marcada pela dor e pelo medo. Vítima de violência doméstica, sua mãe vivia em estado de constante tensão, e não conseguia sair daquilo. Além disso, sua irmã mais nova tinha uma doença grave, e estava acamada, sendo constantemente cuidada. E o pai estava quase sempre fora de casa, o que trazia uma mistura de paz, mas também solidão. No fundo, no fundo, apesar de tudo, ela amava aquele homem, que tanto sofrimento trazia ao lar. Como pode, para uma mesma pessoa, ao mesmo tempo, destinarmos amor e raiva? – ela pensava.

E então, no alto daquele terraço, Lina ia tecendo uma forma de escapar de tudo aquilo, seja por meio do pensamento, seja no caderninho em que ela carregava nas mãos. Lá, escrevia e desenhava cada passo de seu futuro. E era ali, frase a frase, imagem a imagem, que ela, aos poucos, escrevia as futuras páginas de sua vida. Ela não podia saber, mas era aquilo que se tornaria, dez anos depois, seu primeiro livro.

Para fugir da dor, Lina virou…

…escritora!

((Esse texto é de autoria da escritora e jornalista Carolina Pessôa. Mais informações no site http://www.carolinapessoa.com.br e no insta @carolinapessoa25))

Publicado por Carol Pessôa

Jornalista, escritora e ex-atriz. Autora do livro À Beira da Vida, Salto para o Desconhecido e Amor e outras Histórias: contos para aquecer o coração.

2 comentários em “A menina no terraço

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