*com spoiler
Um celeiro é o cenário onde se desenrola a maior parte do filme “Entre Mulheres”, minha escolha para uma ida ao cinema justo no Dia Internacional da Mulher. Em meio a feno e cavalos e vestidas com roupas antiquadas, mulheres de várias idades de uma comunidade religiosa canadense, isolada e conservadora, debatem, pela primeira vez na vida, acerca de uma decisão que impactará o futuro de todas elas.
Nessa comunidade, as mulheres nunca tiveram voz e vivem subjugadas, do nascimento à morte. Nenhuma delas sabe ler e escrever e muitas não conhecem outro mundo além daquele, apresentado pela cineasta canadense Sarah Polley com sua paleta de cores fria e melancólica.
O único personagem homem que não seguiu os demais em uma conduta execrável é o doce professor August que, gentil e humildemente, se dispõe a registrar por escrito as discussões que levarão à decisão a ser tomada pelas mulheres. E elas fazem isso às pressas, escondidas e na iminência de ver seus algozes retornando e surpreendendo-as em um papel de protagonismo que eles certamente nunca imaginaram que elas poderiam ter. Mas o que eles fizeram é grave demais para mantê-las passivas como sempre foram. Ou nem sempre foram (a cena em que uma das mulheres carrega, escondida, a filha caçula às costas por quilômetros, para ter acesso a um antibiótico mostra que em situações extremas, elas já se insurgiam, ainda que de forma velada).
Não é um filme de enredo surpreendente. Não tem reviravoltas ou mudanças inesperadas de curso. A complexidade do que é contado está no que se processa no íntimo de cada mulher e, principalmente, no que se constrói entre elas de forma coletiva.
Os diálogos são riquíssimos. Há consciência e clareza na argumentação delas, ainda que contraditória, às vezes. Há dúvida e medo. As conversas são fortes, explodem em dor e revolta e em julgamentos para consigo ou para com as outras. Mas há também empatia, delicadeza, união, fé e esperança. E muita, muita coragem!
Chorei copiosamente em uma das cenas finais, quando elas tomam a decisão mais difícil de suas vidas, impulsionadas pelo imenso temor de que tudo se repetisse com suas filhas e pelo receio de que perdessem irremediavelmente a fé. Os meninos, futuros homens, estão com as mães e irmãs, a elas ligados pelo vínculo forte de por elas serem cuidados. Outro temor delas é de que eles também se percam, treinados por uma comunidade dominada por homens adultos que não souberam lidar com o poder que eles próprios colocaram nas mãos. Para alguns expectadores, talvez haja o julgamento de que uma fuga delas em massa seria covardia. Para outros, que foi o meu caso, a sensação de que deixar tudo o que se conhece é como um salto longo e escuro rumo ao desconhecido, ato para o qual se precisa ter muita coragem.
Pode até parecer, pelo meu choro, que o filme entristeceu meu Dia Internacional da Mulher. Mas não. Encheu-me de emoção, empatia e a certeza de que o que trouxe as mulheres até aqui e o que as move não sucumbe à opressão. A gente sempre vai achar um caminho.
Que importante discussão esse filme traz e que sensibilidade a sua nessa resenha. Concordo com vc, somos tal como a água: sempre encontramos um caminho.
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Obrigada, Elaine! O filme trouxe muitas reflexões para mim. Apesar de ser ambientado em uma realidade muito diferente da nossa, as dores e sentimentos delas são universais.
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