A frieza do saguão daquele aeroporto não obstou o encontro dos olhares daquelas mulheres. Duas singularidades, absolutamente díspares, aos olhos do mundo posto. Um duplo de almas, aos olhos do invisível. O jeans, surrado e justo, gritava por autonomia, liberdade e sensualidade. A burca, negra e austera, sussurrava por discrição, tradição e sensualidade. Não se aproximem, estipulavam as leis não ditas locais. Mas a curiosidade feminina, não aceita fronteiras. Dois metros as separavam, fisicamente. Um universo, culturalmente. Nada, em verdade. Um pequeno espaço no tempo as uniu. Um imenso tempo no espaço as separou. Analisavam-se mútua, cuidadosa e afetivamente. Enquanto uma viajava com amigos, homens em sua maioria, e buscava diversão. A outra, rodeada por crianças, viajava com a família, e cumpria obrigações. Consentiram que estavam conectadas; que desejavam estar conectadas. Perceberam-se fixadas nos movimentos uma da outra. Admirando-se. As vozes ficaram mais ao fundo. A luz servia ao mistério. Todos em volta pareciam mover-se em câmera lenta, distantes. Os olhares brilhavam e se conversavam, como sempre narram os poetas: sem as palavras, radicalmente, em não forma, em não linguagem. Alcançavam-se profundamente. Compreendiam-se em suas dores – tão distintas e tão similares. Sonhavam-se em futuros próximos, também nos distantes, e em passados vividos – brincavam e ignoravam suas formas e contornos, opostos e paradoxais, diziam os ditos e narrados. Emocionaram-se com os séculos de ignorância. Sorriram e se amaram, por eternos 10 minutos. Redimiram, internamente, seus abismos de intolerâncias e preconceitos. Carregam-se em lembranças. Encontram-se sempre … mulheres.

Adriana Agnese. Mulher. Escutadora. Viajante. Advogada por profissão. Psicanalista por vocação. Astróloga por paixão. Artista em construção.Minha vida tem seguido a rota da fluidez e da desfragmentação. E sigo. Caminho. Flutuo. Por vezes voo
Crédito da imagem: Acervo da autora Adriana Agnese
“Os textos representam a visão das respectivas autoras e não expressam a opinião do Sabático Literário.“
E a gente se deixa perder e se envolver nesse misto de curiosidade, de afeto, de compreensão silenciosa. Parabéns pelo texto!
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Elaine, querida, tuas palavras me alegram, por demonstrar a reverberação, hoje, dos lindos afetos, vividos outrora. Obrigada pela acolhida ❤
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♥️
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Elaine, querida, tuas palavras me alegram muito. Em especial por demonstrar que reverberam, plenamente, hoje (e em nós), os lindos afetos outrora vividos. Obrigada pela acolhida ❤
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Das geminianas mais encantadoras que conheço. Nessa alma sempre a poesia que abriga tantos sentimentos em suas verdades a nos abraçar. Grata por tanto. Te amo
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Delícia te ter aqui, mana amada ❤ Obrigada pela leitura; pela generosidade (sempre); e por ser minha parceira em abrigos e andanças. Te amo.
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Parece magia esse encontro. Ótimo texto. 🥰
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Ivone, grata pela leitura e por partilhar tua impressão. O que seria da vida sem a magia, não?! 😉
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Oi, Adriana, seu conto objetivo , líricamente expõe realidades várias no ser mulher. Parabéns. Há muita poesia nesse contar vidas em 10 minutos de olhar, de confidências e respeito . Fíca um carinho no ar. Obrigada por nos proporcionar esse sentir, essa emoção. Um beijo. Muito bem vinda, minha querida.
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Jovina, recebi tua msg como um carinho quentinho, nesta noite fria. Obrigada pela partilha e acolhida. O outro pode ser uma grande viagem, ainda q por 10 minutos, em silêncio, quando nos dispomos a escutar, sentir, estar … ;*
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Parabéns! Sempre tão especial! Sempre no meu coração apesar da distância…texto maravilhoso que penetra até o fundo do coração.
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Nat, querida, obrigada pela leitura e palavras; e, especialmente, pelo olhar doce e caminhar partilhado, ainda que distante ❤
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Um lindo texto sutil, elegante e profundo. Um convite a empatia, ao amor e a tolerância. Mulheres que vivem mundos tão diferentes se reconhecem nas suas igualdades. Se por um lado um abismo as distância, um olhar complacente faz se aproximaram. Uma linda forma poética de ilustrar como nasce a conexão de almas. Belíssimo texto!
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