Dia desses precisei sair da minha rotina
Em um horário inusitado, fui fazer esteira no estúdio que frequento
Sempre que olho pelas janelas de lá, é noite
E vejo as varandas vazias, a maioria com as luzes apagadas
Mas naquele dia, à luz do sol de quase meio dia
Vi algo que me tocou profundamente
Vi diferentes pernas
Em diferentes andares
Nas varandas de vidro
Elas tinham algo em comum…
Eram pretas
Pernas pretas em varandas de vidro
Pernas pretas em bairro nobre
Pernas pretas na casa dos outros
Pernas pretas varrendo
Em movimentos de arrastar, abrir e fechar
Pernas seculares
Pernas carregadas de ancestralidade
Confesso que senti um certo enjoo
Um vazio
Um sopro de desesperança
Quantos anos mais?
Décadas?
Gerações…
Então abaixei meus olhos
E vi pernas pretas caminhando na esteira
Eram minhas próprias
Ali
Do outro lado do estúdio de vidro
Então pensei
Que para as minhas pernas
Estarem ali
Quantas antes de mim estiveram do lado de lá
E quantas ainda estarão
Pernas pretas
(DES) LOCAR
Ocupar espaços
Atravessar
Romper ciclos
Não há problemas em ver pernas nas varandas de vidro
O dissabor é serem monocromáticas
Datadas
Marcadas.