A expressão “Memento mori” perseguiu-me por alguns dias. Eu a vi estampada em uma fachada de Fortaleza enquanto dirigia em modo distraído, em uma rua não-sei-qual em um dia não-lembro-quando. Mas a frase ficou piscando em minha mente e me reaparecia nos momentos mais inusitados ao longo de dias. Ela me soava familiar mas eu não fazia ideia de onde a conhecia e o que significava.
Foi então que me lembrei de um anime japonês que vi com Isabel e que tinha um vilão chamado “Mori”. Quem sabe a expressão da fachada não tinha relação com esse anime? Perguntei à minha especialista em animes e ela confirmou que um dos vilões de Bungo Stray Dogs realmente se chamava Mori. Mas achava que a expressão completa “Memento mori” tinha relação com algo premonitório ou alguma coisa ligada ao sobrenatural. E ela ainda me lançou em tom de reprovação: “- Mãe, o que a senhora andou procurando que se deparou com essa expressão?”. Estava apenas dirigindo por aí… Depois de procrastinar um bocado e a expressão aparecer em minha mente muitas e muitas vezes como um letreiro piscante, parei de arrumar as malas e rendi-me ao Google. Sem rodeios, o oráculo da internet me despejou o resultado para a expressão originada do latim (soube depois) a qual significava secamente “Lembre-se da morte”.
Meu coração congelou. Procurei, em seguida, por mais respostas para entender o porquê de tê-la visto em uma fachada qualquer de Fortaleza. Será que li mesmo essa frase em alguma fachada? Seria um lembrete divino? Felizmente, achei na internet a menção a uma exposição em Fortaleza com esse tema. Era isso. Passei em frente à bendita exposição e a frase ficou no meu encalço. Isabel diria que eu estava com hiperfoco em Memento Mori, assim como fiquei quando assisti a “Orgulho e Preconceito” pela primeira vez e passei dias consumindo livros, matérias da internet e séries de TV sobre a obra de Jane Austen.
Bateu-me o receio de que algo pudesse acontecer na viagem de avião que estava prestes a fazer. Mãe que viaja sem os filhos tem preocupação dupla: uma delas é como os filhos ficarão na ausência temporária da mãe; a outra é sobre os riscos da viagem para a vida da própria mãe, quando a ausência temporária poderia virar algo terrivelmente permanente. Dizem que as estatísticas mostram que seria mais seguro viajar de avião do que de carro, etc e tal. Será mesmo? O avião dá a impressão de que estamos completamente a mercê da máquina, do tempo, do controlador de voo, do piloto, etc. Veio-me então a ideia sombria de que a morte poderia estar à espreita e que, por isso, deveria ser lembrada, como quem precisa ficar atento para não sucumbir a um inimigo que nos perscruta.
Contudo, à medida que pesquisava sobre a expressão, encontrei referências que amenizaram a má impressão inicial. Então passei a encarar esse comando de “lembre-se da morte” como uma reflexão sobre a mortalidade e, de certa forma, como uma ode à vida. Ao nos lembrarmos da morte e da finitude certa a que todos nós estamos sujeitos, podemos canalizar nossa energia em aproveitar ao máximo o que a experiência terrena está nos proporcionando aqui e agora, ao invés de seguirmos, dia após dia, com a ilusão de que sempre haverá um novo amanhã. Nem sempre haverá. Então faça as pazes hoje, usufrua intensamente dos bons momentos agora, ame (e diga que ama) para ontem e viaje sempre que puder. Memento mori para você. Viva o agora.
Nessa toada, fechei as malas, calcei meus tênis e segui viagem. No caminho para o aeroporto, apertei a mão do meu marido e, sem querer verbalizar a frase bendita para não preocupá-lo fora de hora, repeti-a em mente, dessa vez acompanhada de outra expressão também de origem latina e bem mais conhecida: “carpe diem”. Respirei com prazer e parti para desfrutar o presente, ciente da mortalidade que me atravessa e agradecendo pelo dia que me foi colocado gentilmente nas mãos.
Tantas verdades nesse texto, Lidi! Coração de mãe que fica pequenino antes de qq separação, ansiedade pelo novo, o medo do inesperado.
E, no final, é sobre isso o viver. Essa experiência efêmera que a gente tenta converter em eterna. E as memórias maravilhosas que moram na gente. Carpe diem, minha amiga! ❤️
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Carpe diem. Memento mori. Escrevamos em nossos diários essas frases, todos os dias!
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Que o medo da morte não nos impeça de viver o hoje, com as lutas e delicias que ele tem. Um beijo!
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Excelente texto.
O memento mori tem também outro sentido, que se conecta com a sua reflexão: os momentos de glória e vaidade vêm e não podem ser entendidos como algo que nos faz maiores do que os demais, porque a morte chega para todos. Nenhuma glória, nenhum troféu nos faz imortais, numa perspectiva biológica. Somos todos iguais.
Essa constatação nos motiva a ser ainda mais humano, ainda mais empático. Nos impele a compreender ainda mais o valor de cada um que está conosco, porque estamos todos compartilhando um tempo de vida que valerá a pena na medida da nossa disposição de viver e conviver.
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Somos todos iguais.
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Muito interessante esse viés de Memento Mori, o de deixar a vaidade e gloria de lado pois, no fundo, o destino será igual para todos. A imagem que ilustra o texto tem muita relação com essa interpretacao: um esqueleto de ouro. Obrigada pela leitura e comentario!
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Memento mori para nós que não percebemos o tempo passar e nos deparamos com mais tempo de vida do que tempo vivido!
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Sim…. Refletir faz bem e voce sempre o faz literariamente!!!
Lembrar de que a vida é finita nos faz bem!!! Ate porque redimensiona as preocupações do dia a dia… Nos coloca diante do realmente importa. Nos convence de que muitas vezes procrastinamos, ou deixamos o mais importante na gaveta dos sonhos… ou … “brincamos e dancamos como as criancas da praça” deixando a vida passar…. quando deveríamos encerrar cada pequena ação com a solenidade de uma celebração!!!
Ver que a vida tem também um limite nos coloca diante do eterno,
diante do infinito, diante do belo e do realmente vale almejar. Obrigada por esta reflexão!!!
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Essencial lembrarmos da nossa finitude nessa existência. Como fomos feitos para a eternidade, às vezes esquecemos que ela só se dará após a morte. Boa reflexão.
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