Alice acordou de ressaca. Física e moral. Mais uma vez se atirou em um sentimento forte. E dessa vez, a queda parecia pior que das outras. Estava estava ficando velha, e quanto mais se arriscava, piores as dores. E mais forte o efeito colateral da cerveja para esquecer.
Ela era supersticiosa com chaves, tinha uma coleção delas. Cada uma correspondia a uma possibilidade de amor. Pegou a mais recente, tirou do chaveiro e jogou no lixo. Mais uma que não dava certo. A décima terceira. Seu chaveiro estava ficando cada vez mais vazio e gasto.
Era como um gato de sete vidas, mas elas estavam acabando. Provavelmente arrebentaria em breve. E a cada chave perdida, mais difícil encontrar uma nova para confiar.
“Leva tempo. E tem o luto em respeito a um companheiro que se foi” – ela pensou. Mas ao mesmo tempo, uma vozinha falou no seu ouvido: “Não desiste, você merece ser feliz”. E ela respondeu: “Por que é tão difícil despedir-se de quem faz parte da nossa história?”
Seu coração estava retorcido.
Ela chora. E mergulha a cabeça na pia do banheiro. Para acordar. Tenta tirar a maquiagem, mas percebe que pegou acetona em vez de removedor. Tudo bem, vai assim mesmo, de qualquer jeito.
Pensa acima de tudo que precisa ganhar a vida. Se arruma e pega a bolsa para sair.
Mas não encontra a chave de casa no chaveiro. Lembra-se então da amiga que dormiu lá, depois daquela festa bagaceira e foi embora mais cedo. Ela disse que ia jogar chave por debaixo da porta.
Ela se abaixa no chão, a cabeça ainda rodando, e acaba achando a bendita.
Ao tentar abrir a porta, percebe que ela está emperrada. Como seu coração, cansado de jogar tantas chaves fora. Ela está cansada, muito cansada. Precisa reduzir a quantidade de chaves e comprar um chaveiro mais forte. Quem sabe assim, pára de perdê-las? Ela fica ali parada, perdida no pensamento.
A vozinha volta e diz. “Abre Alice. Tenta de novo. Você merece ser feliz. Um dia, você acha a chave certa para a sua porta”.
((Esse texto é para todos aqueles que se despediram de pessoas. ))
Ressaca de chaves que não servem mais…
CurtirCurtir
Oi, Carol, parabéns pelo seu conto. Para mim, que há tempos jogou :as chaves fora”, teu texto me diz muito. É uma escrita leve, mas com uma mensagem atemporal e universal, visto ser uma circunstância muito presente hoje na vida de milhares de pessoas. Parabéns, obrigada. Bj
CurtirCurtir