Minhas primeiras lembranças de alteridade, de brincadeiras com amigas, trazem a imagem da “Bel”. Uma menina preta. Linda. Altiva. Dois ou três anos mais velha do que eu. Inteligente. Prática. Estudiosa. Olhos incrivelmente brilhantes. Cabelos partidos, trançados, presos – sempre. Organizava todas as nossas brincadeiras, que na época eram bastante restritas. Talvez por falta de espaço, externo. Ou, quem sabe, exatamente pela amplitude dos espaços internos. Casinha, bonecas, maquiagem, comidinha, desenhos, escola … ela adorava brincar de escola, e era a professora, claro. Nunca queria dançar, correr ou se esconder – não compreendia suas razões; mas não me importava; eu adorava brincar com ela. Ela pensava em cada detalhe, todas as etapas de nossos dias partilhados, e a mim cabia divertir-me, inclusive com suas incisivas e rotineiras ordens. Quando pintava, era sempre uma obra de arte. As cores vivas. Os desenhos multicoloridos. Os meus lápis de cores e canetinhas margeavam as linhas impecavelmente nas mãos dela. Eu invejava isso. Quando acabava o dia, a brincadeira, ela ia dormir com a avó, a Maria, no quartinho dos fundos da casa dos meus avós. À noite eu me encontrava com meus sonhos; ela com sua realidade.
Hoje? Ela brinca de ser professora e eu continuo minha busca por diversão. Mantenho a inveja da força e da destreza daquelas mãos pretas. Espero que ela se lembre de mim, se possível, com algum bom afeto.
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