Procurou um médico. Procurou porque não suportava mais aquela dor no peito, uma dor estranha. Não que doesse, era dolorida, dor palpável, martelante e contínua que permanecia atada à falta de ar. Faltava-lhe o ar, uma respiração sempre entrecortada como que interrompida e que por mais que inspirasse o ar nunca era o suficiente. Pouco, era muito pouco.
Tinha a sensação de que havia um buraco enorme dentro de si. Um buraco que se podia ver de lado a lado e nessa falta de matéria a falta de coisa alguma e de todas as coisas. Pensou em fome, logo, uma falta de que não se sabe de quê, nem por quê. Comia, depois corria, e comia, depois lia, e não havia o que lhe tapasse.
Amava. Alguém, logo outro alguém e outro e de uma intensidade louca de abandono. Louca de santo e devasso. Mas amava todo o tempo. Pensava que só era possível vida assim, de entrega. E que sempre era para sempre e único. Único como aliança. Um de cada vez, pelo menos, cada um com a sua porção de unidade. Pelo tempo eterno da extensão que cada Amor era capaz de dar. E todo Amor lancinante deixava atrás de si um corpo de marcas.
Sentada naquela sala branca diante de um homem de meia idade branco e gordo. Psiquiatra. E pensou em Psique, que amava alguém que não podia ver. Talvez estivesse aí o segredo, não ver, porque assim a imagem era só sua. E esse homem parecia automático. Ouvia-a dizer dessa pressa, e dessa dor de não pertencer e essa fome e desse não sei o quê. Automático. Se importava com uma tatuagem aparente, tentava ver melhor, ver melhor e parecia não ouvir. Ela também queria ver.
“Vamos tentar uma coisa, continua com o que você já toma, mas vamos acrescentar um novo. Faz assim, toma meio comprimido desse ao dia. Uma única banda por dia, entendeu? Depois de 40 dias você volta que quero te ver.”
No primeiro dia sentiu-se mal, como se fios invisíveis arrancassem partes vitais. No segundo dia, terceiro, uma semana melhor e melhor. Alguns dias depois percebeu que depois de uns dias convivia bem. Não se angustiava, nem se estressava, calma. E percebeu que uma banda de um comprimido laranja arrancou-lhe um a um cada Amor, mesquinhamente deixando-a sozinha com ela mesma. Percebeu que aquele buraco era passagem de vento para sua fluidez e que tomar um comprimido inteiro seria suicídio.
Crédito da imagem: Pexels.com
“Os textos representam a visão dos respectivos autores e não expressam a opinião do Sabático Literário.”
Uma banda só, a outra preenchemos com o melhor que há em nós: o autoamor
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Axé
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Tem textos que deixam a gente tão extasiada que é difícil até de comentar. Lindo, Katja. Deixa pelo menos a metade da loucura para a vida continuar, pra não silenciar todas as vozes e escutar os anjos e demônios que habitam cada uma de nós. Parabéns!
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Obrigada, queridona.
Sim, adeus ao homem sapo
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Que a metade invisível seja a descoberta da sua magnitude
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