Toda revolução tem início numa ação. Vitória, menina de dez anos frequentava uma colônia de férias durante o recesso escolar, e carregava por toda parte uma mochila.
Nela havia tudo o necessário para passar o dia em um clube. Entre outras coisas, uma calcinha. Era uma peça aparentemente vulgar, digo, comum. Grande, de bolinhas, mas furada. Um aspecto surpreendente de tal peça e que escapava aos olhos dos demais, inclusive de Vitória, é que aquela, na verdade, era uma calcinha inconformada.
Talvez com a sua condição de estar sempre na escuridão, sem poder observar o mundo lá fora. Havia mais do que era apresentado à ela pelos “amos da caverna”, como diria Platão?
Então, a calcinha decidiu sair e ver além. Vitória amarrava os cadarços, quando um dos supervisores apontou para baixo e disse: – Ei! Olha aí as coisas caindo para fora da mochila. Vitória, essa calcinha é sua?
A menina arregalou os olhos, e assentiu se transformando no exemplar de pimentão vermelho mais pigmentado da história. “Céus.. alguém viu minha calcinha furada…” Pensou vencida. E a peça foi parar dentro da bolsa novamente. Vitória mal sabia que isso era o prelúdio de algo maior. A calcinha relatou o que viu para as outras vestimentas e por elas foi considerada louca.
Mas incomodada, não desistiria. Na volta para casa, já dentro do ônibus, eis que Vitória ouve o grito da boca de um moleque qualquer: – Ah lá uma calcinha furada!- E aquelas palavras ecoaram no seu cérebro centenas de vezes. A verdade revirou seu interior. Sabia mesmo sem olhar: era a tal calcinha com certeza. O mundo não seria mais o mesmo para Vitória, nem para a peça íntima. A garota ficou sem ar, começou a adquirir um tom cinzento e um aspecto acolchoado que a plasmava ao assento numa demonstração de mimetismo camaleônico, traço evolutivo adquirido por ela em tão pouco tempo que surpreenderia até mesmo Darwin.
Como desgraça pouca é bobagem, dizem, a calcinha inconformada foi jogada de um lado para o outro pelas crianças em uma zoeira infernal, tão característica da selvageria infantil desses seres humanos pequenos sem supervisão. O momento mais longo da existência de Vitória, e da calcinha até então. Sabe-se que os revolucionários, várias vezes são mal compreendidos por muitos. Mesmo consciente, a calcinha inconformada jamais desistira de tentar.
Calcinha de fibra.
Quando as crianças se cansaram, foi parar no chão e recolhida por Vitória em momento oportuno. Considerada perigosa, foi condenada às gavetas, mas seu exemplo de atitude e coragem resiste por meio da sua história contada, que nos serve de inspiração até os dias atuais.
Que calcinha mais revolucionária! Parabéns, Camila! 👏🏽👏🏽👏🏽👏🏽
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Adorei essa calcinha!
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Oi, Camila, parabéns! Aos 19 anos fui morar em Juazeiro do Norte, tenho até um poema no meu livro Cruviana dedicado à minha cidade. Não tive dinheiro para comprar calcinhas novas, levei as minhas, furadas. A mala, de papelão. Um dia as meninas ricas do pensionato pegaram uma dessas calcinhas , colocaram-na num cabo de vassoura e por muito tempo fui motivo de chacota para muita gente. Seu texto me levou a esse tempo de minha vida. Com ele vi o verdadeiro sentido daquele evento pra mim tão traumático, muito obrigada por ressignifica-lo. . Parabéns! Um beijo, minha querida.
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