ROSA, NA CABECEIRA

Por: Jovina GBenigno

Nele um amarelo marrom,
herança do tempo.
pingos vermelhos
feito água de sangue
aspergida sobre o corpo.
ao tocá-lo, aspirei
o olor molhado de mofo,
o cheiro do abandono.
Cobria-lhe um frio úmido
de matéria sem vida,
sem o calor de existir,
como se nele
não mais
pessoas e suas histórias
como se viagens sem malas
não mais fossem possíveis.

Na carícia de seu rosto
a aspereza de grânulos
feto sal fugido do mar
que ali encontrara abrigo.

Como pude abandoná-lo?!
era o preferido
e o larguei num desmazelo
de quem, distraído,
põe no cesto do quintal
as cascas gêmeas da laranja,
exauridas no portento suco.

Forte a nossa história.
em cada linha que eu sorvia
me encontrava personagem
de tramas, alegrias, desgostos,
estradas de poeira em sertões
onde viver era
ter as noites exauridas
de luta e sede.

Um cansaço nas carnes
segurava corações.
dormiam em colchão de formigas,
olhando o céu,
a liberdade das estrelas.

Decidida,
corri a salvá-lo.
durante muito tempo
eu o colocava sob o sol
na esperança
da ressurreição
(não tinha pecados).

Fugiram os odores envelhecidos
feito se vai o cheiro
do chá não tomado.
arrefecera o vermelho das gotas,
nele não há êxodo
de palavras.
as vidas estavam ali,
seca, chuva, morte, fome
e o dizer inusitado delas,
os cenários de existência
eram ele próprio.

E desde então,
oráculo em minha cabeceira,
repouso minhas mãos
sobre ti
com serenidade e gratidão,
Rosa do Sertão
das Veredas de Guimarães. 

Crédito da Imagem: Foto por MoldyVintage Photo em Pexels.com

Os textos representam a visão das respectivas autoras e não expressam a opinião do Sabático Literário.”

16 comentários em “ROSA, NA CABECEIRA

      1. Oi, Ednardo, muito obrigada! Você falou algo muito importante e interessante, sinto assim também, da forma que você falou, E quando retornamos, eles muitas vezes nos contam uma nova história. Penso que eles refletem nosso olhar mais íntimo a cada retorno. Tem livro que, terminada sua leitura, caio em prantos, tão forte o elo afetivo construído com os personagens , os escritores, os poetas, os dramaturgos, porque também amo ler textos para teatro. . Muito obrigada, um abraço!

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  1. Uma riqueza esse poema. E lendo agora teus comentários, me identifiquei muito com esse sentimento de chorar ao fim de um livro, desse elo criado com os personagens e com a escrita de um autor. Amo a sensação de carregar por muito tempo aquela história comigo, como se tivesse sido contada numa roda de amigos ou por um familiar querido. Obrigada por me trazer essa sensação de novo. Bjs

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    1. Elainezinha, você, que também é uma ótima escritora, é
      daqueles leitore (as) que completam a obra do autor, porque nela mergulham profundamente , pois é isso que o leitor faz: completa a nossa obra. Você é muito sensível, amante das artes, e tudo o mais. Muito obrigada pelo comentário que me traz muita alegria. Um beijo

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