CIO DA FÊMEA ALFA

Por: Elaine Resende

Estava quente.

Mas não era o clima ou a noite de verão. Era o meu corpo. Estava no cio. Parecia um animal selvagem, espreitando a minha presa, pronta para o ataque.

Farejei atrás de suas orelhas, toquei as pontas de seus dedos com a minha língua. Meu corpo se curvava para frente e para trás suavemente, tentando explorar o corpo da presa com delicadeza para não a afugentar. Seu cheiro me deixava cada vez mais entusiasmada, querendo, desejando.

Talvez não fosse bem assim.

Ou talvez fosse. Mas era uma noite de segunda-feira na casa de uma dona de casa, nem tão bela, nem tão jovem. E nesses casos, isso efetivamente não existe. Era tema de novela picante, daquelas que passam tarde, depois das vinte e duas horas.

Eu sei, eu sei, mulheres do lar também têm tesão. Se o marido é gostoso, cheiroso e fica pronto para o combate rapidamente, por que não aproveitar?

Ah, porque a sobrevida desses momentos é fugaz… os três filhos, o cachorro e o papagaio que o digam. Ainda tem a TV ligada, a marmita do dia seguinte para preparar, o uniforme que ainda não foi engomado.

Dona de casa não tem vez! Cuida de todos antes de si. Quem cuida de mim?

Nessa noite não teria futebol na TV, não teria ônibus lotado, não teria a prova do menino no dia seguinte. Essas coisas só existem quando se concretizam. Nessa noite, não! Nessa noite a única coisa concreta era a TV ligada na novela e meu desejo de sentir minha presa entrelaçada em minhas pernas.

Ele não teria tempo, não teria vez.

Esse gozo eu guardei para mim, no fundo da gaveta, há muito tempo. E achei de surpresa, quero usar e vai ser hoje!

Retomo meus movimentos de ataque, minha camisola balança levemente quando o ventilador sopra a sainha rodada do tecido de jersey. Nem preciso de perfume, exalo meu desejo com uma bala de hortelã.

Ele sabe que essa noite ele é meu. Egoisticamente meu!

Uma buzina na rua me traz de volta à vida real. As crianças acordam, o cachorro late e o papagaio fala. O circo da frustração estende de pronto sua lona e tudo parece perdido.

Me sinto como a leoa cuja presa escapa por pouco. Volto de cabeça erguida ao quarto, a bala estralando entre os dentes, descarrego do insucesso na batalha.

Sinto o ataque pelas costas. De predadora sou presa. Agora, enredada no seu corpo, sou frágil. E me entrego feliz ao nosso ritmo. A felicidade vem em ondas para ambos. Não me importo em compartilhar.

Exaustos, nos olhamos. Nos amamos. Somos assim.

Publicado por Carol Pessôa

Jornalista, escritora e ex-atriz. Autora dos livros À Beira da Vida, Salto para o Desconhecido, Amor e outras Histórias: contos para aquecer o coração e A Cápsula.

15 comentários em “CIO DA FÊMEA ALFA

  1. Um texto que transcende cenários e emoções. Ora animal, ora mulher, ora mãe. Uma dona de casa que luta pelo seu auto cuidado e pelo seu papel de mulher que deseja, que busca, que se frusta e que é feliz. Maravilhoso!

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