FÊNIX

Por: Lidianne Monteiro

Sou mil mulheres em várias vidas
Em cada fase que parecia infinita, vi desmoronar sem aviso o muro das certezas
Cada etapa se foi sem que se percebesse que jazia o tempo de dizer adeus

De repente se foi
Nem notei
Nem me despedi

E, sem aviso prévio nem lamento, uma vida nova estreia com ar de campeã de bilheteria

As novas fases empinam seus narizes arrogantes 
e minimizam o que ficou para trás
Ofuscam com seu brilho a saudade para que não se pense nela

Então bate à porta um novo recomeço
Inesperado
Duvidoso
Instigante
A roupa velha é descartada
Ou guardada como relíquia preciosa
Para ser contemplada como um troféu do que se viveu

Na fase em que se quer calma, a alma se regozija pelo consolo da trégua
O corpo cansado da batalha nem entende como se deixou calejar tanto
Parecia que só existia esse jeito de ser
Encabeçando guerras e convencendo a ser seguida rumo às trincheiras
Para em um átimo tudo se dissipar e o que se fez parecer desvario

Ora era pássaro construindo minuciosamente o ninho com cada graveto escolhido a bico
Ora decidia destruí-lo para conseguir se apartar dele e ir curar as feridas em outro pouso
Para então seguir o voo mais alto que se ousava imaginar, desbravando feliz a nova
oportunidade de Fênix renascida

Em sendo jovem, já me fiz velha pelo peso do fardo
E, com cabelos brancos, ja me vi menina de novo, invencível e arteira

Tem fase de busca
E tem aquela de apenas se deixar encontrar
Como quem espera desprevenida e intencionalmente

Já vivi a rigidez das convenções e a expectativa ilusória de que estaria resguardada
Deste rio avassalador que leva tudo que encontra quando se vê impelido pela tempestade
Para depois retomar o fluxo calmo
E inaugurar um novo tempo

Fui terna e protetora
Frágil e indefesa
Menina e mulher ao mesmo tempo
Forte e inabalável às vezes
Enquanto calculo palavras e escrevo números
E contemplo apaixonadamente a vida e os meus
Para, logo em seguida, me abraçar às urgências impacientes
Sou muitas
Sou todas
Nasço e findo a todo instante
Como a Fênix mitológica com sua melodia cíclica

Sou tantas em uma
Que cada fase parece ter sido vivida por outras
E foi
E todas elas aplaudem o espetáculo que protagonizaram
Ora chorando
Ora sorrindo
Esperando pelo próximo ato

Crédito da Imagem: Foto por Marek Piwnicki em Pexels.com

Os textos representam a visão das respectivas autoras e não expressam a opinião do Sabático Literário.”

8 comentários em “FÊNIX

  1. Lidianne, experimentei um sentimento de libertação, autocrítica e aceitação. Plenitude de viver os momentos entendendo que nada é estático e como a vida nos atropela o tempo todo e precisamos nos reconduzir frente as adaptações e muitas personagens que temos a cada vida. Excelente! Amei!!!

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  2. Lidi: você descreve bem o crescimento interior… as fases da vida… os nossos paradoxos, as nossas fronteiras sendo ultrapassadas … Me fez lembrar a bonequinha russa… pois dentro de uma existem todas as outras.
    A cadência é poética… mas a realidade se mostra como um fio de ouro em baixo de cada pequeno ângulo da sua perspectiva. Não precisa nos convencer. Perfeitamente crivel.

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  3. De que tamanho seríamos se não fossem as contribuições de nossas várias experiências, inclusive em outras existências, outras vidas??
    As memórias, sendo vagas ou bem vivas, trazem o peso e as cicatrizes do que vivemos, do que fomos e fizemos, mas em meio a elas também trazem as glórias e os prazeres, e as recompensas.
    Isso nos faz lembrar que também existem cicatrizes e marcas de experiências boas, e no final a soma de todas elas, nos desnudam, mostram o nosso real tamanho.

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  4. A cada experiência temos a oportunidade de aprender e levar conosco algo que nos acrescente como indivíduos para as fases seguintes, sempre buscando evoluir e melhor viver. Um grande abraço!

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